Golpe nacional contra DPVAT, envolvendo advogados, médicos e fisioterapeutas também foi descoberto em fraude judicial na Comarca de Dois Irmãos
No dia 13 de abril, a Polícia Federal iniciou a operação Tempo de Despertar, para desbaratar quadrilhas que atuam junto aos Fóruns nos estados da Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Essas quadrilhas são integradas por criminosos que se escondem em várias profissões. São policiais, médicos, fisioterapeutas, advogados, agentes de seguro, empresários e a PF acredita que a própria empresa Líder, administradora do DPVAT, tenha gente dela envolvida na fraude.
Todas essas pessoas se uniam de forma criminosa para fraudar documentos e laudos médicos e fisioterapêuticos, visando extorquir dinheiro do DPVAT, o seguro obrigatório.
Para conseguir seu intento, os quadrilheiros criaram uma rede criminosa na qual participavam policiais civis e militares, agentes de seguro, advogados, médicos e empresários. Em conluio, todos eles participavam desse esquema que criava laudos e documentos falsos que iriam instruir processos nos Fóruns para, de forma ilícita, receber pagamentos pelo seguro DPVAT.
Só no dia 13, data em que a operação contra esse crime organizado começou, foram detidos:
- 10 agentes da polícia civil,
- 1 delegado de polícia,
- 1 policial militar,
- 3 advogados,
- 3 médicos,
- 2 fisioterapeutas e
- 15 empresários.
Segundo a Polícia Federal, a gangue criou uma rede, unindo pessoas criminosas que lhe permitia ter informações privilegiadas a respeito de acidentes de trânsito. Policiais envolvidos e patrocinados por essa rede, avisavam sobre quem havia se acidentado, e inclusive criavam falsos boletins de ocorrência.
O grupo criminoso sabia, por exemplo, quem estava dando entrada em hospitais, e já um agente corria para lá, a fim de pegar procuração das vítimas dos acidentes. Muitos deram procuração ainda em cima de macas, antes mesmo de ser atendido no hospital. E a maioria nem nunca soube que estavam “processando o DPVAT”.
Em outros casos, nem acidente havia ocorrido. E com boletins de acidente falsamente criados por policiais, mais procurações falsas criadas por advogados e laudos falsos emitidos por médicos e fisioterapeutas, o grupo entrava em juízo para cobrar o seguro DPVAT. E caso o processo fosse julgado favoravelmente, a quadrilha “rachava” o lucro obtido.
Um crime técnico
Para ganhar o processo, o grupo criminoso se baseava num “furo da lei”. Nesse tipo de processo, o julgamento se dá por mera questão de direito e não existe necessidade de audiência. É julgamento de pura questão de direito, e a decisão é baseada em boletins de ocorrência, em laudos médicos e em laudos fisioterápicos.
Sabendo disso, os advogados criminosos criavam falsas procurações (usando o nome de quem nunca lhes deu procuração) e sustentavam seus pedidos no processo com laudos médicos e fisioterapêuticos falsos, vindo de profissionais igualmente criminosos. E, assim, eles ganhavam as ações judiciais, baseando o julgamento em laudos fraudados.
Só no primeiro dia de atuação, a Operação Tempo de Despertar levantou 28 milhões de reais em fraude direta contra do DPVAT. Mas a Polícia Federal acredita que essa cifra pode chegar a centenas de milhões de reais, ou mesmo a bilhões de reais, quando o pente fino for passado no Brasil inteiro.
E é aqui que entra a cidade de Dois Irmãos.
Em agosto de 2013 promotor apresentou a denúncia por crime organizado contra dois advogados, médico e fisioterapeuta
No dia 12 de agosto de 2013, após ouvir depoimentos e constatar a fraude em andamento contra o seguro DPVAT, o promotor Wilson Grezzana fez uma Denúncia Crime contra os advogados Ernani Jorge Korbes e Ernani Nicolau Korbes, e também contra o médico José Luis Grutcki e contra a fisioterapeuta Ana Valeria Melo Averbeck.
Na denúncia, o promotor afirma, baseado em documentos, que entre 9 de maio de 2011 e 30 de abril de 2012, em diversas oportunidades os denunciados “em comunhão de esforços... falsificaram e fizeram uso de documentos particulares falsos, tendo por objetivo o ingresso de ações judiciais, perante a vara judicial da Comarca de Dois Irmãos, a despeito da vontade dos titulares dos respectivos direitos, instruindo ditas ações com documentos e provas manifestamente falsos”.
Segundo o promotor, esse plano criminoso foi arquitetado mediante divisão de tarefas:
O médico José Luis Grutcki emitia laudos falsos para comprovar lesões sofridas em acidentes de trânsito e que, segundo ele, tinha levado o paciente a ter “lesão permanente”. Só que essas lesões nunca tinham existido.
Já a fisioterapeuta Ana Valéria Melo Averbeck, segundo o promotor criava laudos igualmente falsos, que confirmavam essa lesão e sequelas, e ainda se prestava a preencher recibos de sessões de fisioterapia para tratar esses danos, sessões que nunca existiram.
De posse desses laudos médicos e fisioterápicos falsos, disse o promotor, os advogados Ernani Jorge e Ernani Nicolau Korbes criavam ações judiciais contra o seguro DPVAT, em nome de pacientese “a despeito da autorização destes”, e o faziam com “assinaturas falsas” (tudo conforme perícia feita em documentos).
Segundo o promotor, os dois advogados, o médico e a fisioterapeuta associaram-se em quadrilha para cometer crimes contra o consórcio DPVAT.
Foram vários processos fraudados pela quadrilha, segundo o promotor. E, na denúncia, o promotor cita três ações ajuizadas: uma em nome de Daniela Aparecida dos Santos Oliveira, outra em nome de Fabiana Marmitt e outra em nome de Lisandro Rocha, onde era tudo falso: procuração, declaração de insuficiência de recursos, laudos médicos, laudos funcionais, recibos de sessões de fisioterapia... nada correspondia a verdade, era tudo fraudado. Nem mesmo as pessoas que estavam “entrando com o processo” sabiam que o processo existia.
Em outras ações, diz o promotor, como no caso dos processos de Maria Alves de Lima, Maria Alaídes de Lima, Dircinei Maria Swarowski, Alisson Vicente Braz da Silva, Marciano dos Santos Costa e Nereu Soares Flor, os advogados entraram com as ações em nome dessas pessoas sem que elas lhes dessem autorização para isso. O que significa, em última análise, que elas jamais saberiam que teriam direito a receber o valor pago pelo seguro, caso a ação fosse julgada procedente. Nesse caso, quem receberia, segundo o promotor, seriam os (falsos) procuradores.
Ainda segundo o promotor, depois que a fraude foi descoberta no Fórum, os advogados teriam procurado essas pessoas, para que fossem ao Fórum desmentir o que haviam dito na primeira vez em que lá estiveram. E algumas dessas pessoas, seduzidas pelo dinheiro que supostamente receberiam, chegaram ao ponto de desmentir o que tinham dito. Mas foi em vão, pois o promotor mandou todo o material para ser feita perícia de assinaturas, no IGP, e viu-se que a primeira assinatura, que constava nas procurações, era manifestamente falsa. Outras pessoas, no entanto, com mais honra que as outras, confirmaram tudo, dizendo que não tinham sofrido a lesão, que não tinham dado procuração para os advogados, que nunca tinham visto o médico e que jamais haviam feito as sessões de fisioterapia.
A denúncia contra o quarteto foi recebida e passou a ser o processo crime 145/213 1261-7, que tramita no Fórum da Comarca de Dois Irmãos. Durante o curso desse processo, e por ter sido quem deu início à investigação do crime organizado em andamento, a juíza Ângela Dumerque se deu por impedida para o julgamento, e o processo segue e será julgado, agora, por um juiz substituto.
O promotor Wilson informou o fato ao GAECO, o Grupo de Operações de Atuação Especial Contra o Crime Organizado, que investiga esse tipo de fraude em rede.
Crime organizado caiu em DI graças a uma carta com AR
Em 2013, o Fórum de Dois Irmãos enviou uma carta com aviso de recebimento (AR) para Daniela Aparecida dos Santos Oliveira, informando-a do andamento do seu processo contra o seguro DPVAT.
Normalmente essa correspondência seria enviada ao “procurador” dela, o advogado que, em tese, tinha a procuração (autorização) dela para entrar em juízo.
Ao receber a correspondência, Daniela levou um susto, pois não sabia que havia processo usando o nome dela para cobrar dinheiro do DPVAT.
Imediatamente Daniela foi ao Fórum, e disse que não só não estava processando o DPVAT, como afirmou ser falso tanto o laudo médico quanto o laudo fisioterápico que constava do processo.
Ela nunca havia dado procuração para o advogado cobrar o DPVAT.Ela nunca havia falado com médico e ela também nunca havia falado com a fisioterapeuta. E, pior: ela não queria processar o DPVAT, pois embora tivesse tido um acidente, não havia sofrido sequela. E tudo que estava naquele processo, disse ela, era falso.
Esse fato foi informado à juíza Ângela Roberta Paps Dumerque, e ela solicitou que fosse feito uma checagem em todos os processos no qual atuavam os advogados que haviam apresentado aquela procuração falsa, com laudos médico e fisioterápico igualmente falsos.
Os funcionários do Fórum começaram a ligar para cada pessoa e descobriram que havia uma série de processos instruídos por procuração falsa e com laudos idem.
Diante disso, a juíza mandou notificar o promotor de justiça, para que procedesse na denúncia, se achasse que era o caso, e informou igualmente a OAB, para que averiguasse os advogados, e os conselhos de medicina e fisioterapia, para que procedessem contra os profissionais envolvidos.
O que é o DPVAT?
DPVAT é o seguro por Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre. Esse seguro é administrado pela empresa Líder. Essa empresa é um consórcio criado através da união de todas as empresas seguradoras que operam no Brasil.
Conhecido por seguro obrigatório, o DPVAT é arrecadado quando se faz o licenciamento anual do veículo.
O valor da arrecadação é dividido em 3 partes:
- 50% vai para o consórcio pagar acidentes de trânsito
- 45% vai para o Sistema Único de Saúde (SUS) e
- 5% vai para a máquina administrativa do DENATRAM.
Ele é recolhido em todos os Estados. Mas ninguém sabe exatamente (exceto a empresa Líder) quanto é arrecadado anualmente no DPVAT. Isso porque o DENATRAM afirma que existe um número X de veículos no Brasil, enquanto as montadoras de veículos afirmam ser outro o número.