Blog do Jornal Dois Irmãos


7 de fev. de 2014

VIDA DE SURFISTA

O surfistaThiago Rausch, 27 anos, é natural de Dois Irmãos, mas hoje se define como um cidadão do mundo. Nesta entrevista, ele conta sobre sua vida, como nasceu sua paixão pelo surf, sua rotina e sonhos. Além disso, revela sua nova empreitada: a produção de um filme contando um pouco de sua trajetória, motivando outras pessoas a também correrem atrás dos seus sonhos.

Como nasceu o seu interesse pelo surf? 
No ano que nasci minha família comprou uma casa em Mariluz, por causa disso tive a benção de passar todos os verões da minha vida perto do mar. Meu pai e minha mãe adoram praia e sempre estávamos na beira do mar, o verão todo, não lembro exatamente a época, mas as lembranças que tenho são de ver meu irmão Guto Rausch e meu primo Ronaldo Rissi brincando com planondas de isopor no rasinho. Eu sempre ia atrás deles. Desde então, a alegria, a paz e a sensação de liberdade que eu sentia quando estava dentro do mar, me fizeram ver a vida com outros olhos, mesmo muito pequeno, lá no fundo algo me dizia que era exatamente aquilo ali que eu queria.

Em que momento você decidiu fazer do surf, até então um passatempo, sua atividade profissional? 
Foi aos 16 anos de idade. Mesmo muito novo eu sentia que algo estava errado “comigo”. O dia a dia estudando entre Dois Irmãos e Novo Hamburgo, a infância e a adolescência aqui na cidade me trouxeram muitas coisas boas, mas tinha algo maior que me fazia mal e aos poucos comecei entender. Era o capitalismo selvagem, os preconceitos, os status sociais e toda essa “coisa” de se valorizar apenas quem tem sobrenome forte e dinheiro na conta, que é um problema em nossa região e no mundo todo, que me faziam uma pessoa triste e inconsciente perante meus valores reais. Na praia eu sempre estava em paz e surfando com meus amigos, alguns deles não tinham chuveiro quente no inverno e nem geladeira em casa, mas estavam sempre felizes. Isso me fez ver que a felicidade não se compra, ela está dentro de nós. Arrumei um emprego numa fábrica de acessórios de surf de um amigo meu, “enrolei” meu pai com o argumento de ter arranjado um trabalho e de que acabaria o colégio, arrumei as malas e fui morar em Mariluz, sozinho, na 
casa da família aos 16 anos. De lá pra cá, nunca mais parei de trabalhar com o surf e hoje, depois de muito sonhar e batalhar, me tornei surfista profissional e surf repórter, unindo o útil ao agradável dentro da mesma paixão.

Depois que essa decisão foi tomada, quais mudanças ocorreram na sua vida? 
Posso dizer que mudou da água para o vinho. Recebi uma educação exemplar dos meus pais, com muito amor e ótimos valores, mas o que eu aprendi na vida, lutando para realizar meu sonho de viver na praia e surfando, foi o que trouxe sentido e uma satisfação enorme para minha vida. Eu trabalhava muito na produção dos acessórios de surf, mas a certeza de poder surfar depois do expediente ou ao meio-dia junto com meu patrão, me faziam superar qualquer falta de dinheiro e saudades das comodidades do lar e do colo dos meus pais.

Como a sua família e amigos reagiram a sua decisão? 
Então, depois de passar os verões na praia, antes de ir morar lá, eu voltava para o ano letivo na Escola Estadual 10 de Setembro, e passava o ano inteiro sonhando com os momentos vividos na praia, era algo muito forte e real, que realmente mexia comigo. Aos 14 anos de idade, sem modéstia, eu era um dos melhores jogadores da nova geração da cidade, era destaque no time Mirim do União ao lado de grandes amigos como o Pinho, Sholinha, Vinicius Lauxen, Taffarel e Gabriel Hoppen e muitos outros. Tínhamos um time que acredito ter sido um dos mais vitoriosos da história da região. Muitos queriam me levar para fazer testes no Inter e no Grêmio, mas minha paixão era o surf e aos poucos fui me desligando do futebol e indo mais e mais pra praia. Quando decidi mesmo largar o futebol, meu pai quase teve um chilique, pois ele realmente acreditava em meu potencial e acordava todos os domingos muito cedo, para me levar aos jogos. Ele se “empanturrava” de orgulho com minhas atuações e gols, doeu muito mais nele do que em mim essa decisão. Meus amigos não acreditavam, iam me buscar em casa para jogar os campeonatos e eu não queria mais saber de jogar bola, o surf estava dentro de mim e era muito mais intenso que o futebol, meu quarto tinha fotos de surf até no teto, recortava das revistas e colava por tudo. A maioria achou que eu estava louco, já que o surf, numa cidade como Dois Irmãos, tinha aquela imagem de ser algo fora dos padrões, coisa de vagabundo e drogado, como ouvi muito por aí. Mas minha família e amigos me apoiaram, quando viram que eu realmente amava muito aquilo ali. 

Através desse esporte, você já participou de competições. Quais são e onde foram?
Na verdade nunca gostei muito de competições, porque elas destoam dos reais valores do surf, que é surfar e se divertir com os amigos em contato com a natureza, não é necessário ser melhor do que ninguém para curtir o surf, é apenas contigo e o oceano. Corri alguns poucos campeonatos, nunca me dando muito bem, mas em 2012, convencido por um amigo, participei de um durante uma viagem ao Peru, acabei vencendo no meio dos nativos e na casa deles, foi muito emocionante vencer caras bem melhores que eu e em outro país, mas encerrei minha carreira de competidor ali. Atualmente, onde você está residindo? Hoje  me  considero  um  cidadão  do  mundo,  fico  um  pouco  em Dois irmãos, um pouco em Mariluz, um pouco em Santa Catarina e a maior parte do tempo viajando pro exterior. Depois que larguei meu emprego na empresa de acessórios de surf - vão fazer quatro anos - tenho viajado sempre, com ou sem dinheiro sempre dou meu jeito.
Viajar sem dinheiro, como consegue? Já passou alguma roubada por isso? 
Ótima questão. Não sou mágico e nem traficante de nada, apenas simplifico as coisas. Parto com a passagem parcelada pela Ciao Viagens, pago como conseguir, o que é uma ajuda essencial. A partir daí busco nos meus apoios produtos, ajudas de custo e chego no país com alguma estrutura, quando a grana acaba, começo a vender tudo, prancha, roupas e tudo que puder vender para continuar o sonho. Sobre as roubadas, são inúmeras. Em 2012, estava indo sozinho do México para o Peru com apenas US$80,00 no bolso. Por alguma razão a taxa das pranchas havia dobrado, de US$50,00 foi para US$100,00. Argumentei, quase chorei e o cara da Cia Aérea não se comoveu nem um pouco comigo. Eu estava em outro país, sem grana, sem cartão de crédito e correndo o risco de perder minha bagagem, ou a passagem. Buscando alguma alternativa, ofereci meu relógio e o tênis que eu estava usando, por preço de banana, para o pessoal da fila do cheking, mas ninguém quis e ainda ficaram me olhando com uma cara de incrédulos. Daí então se aproximou uma senhora mexicana e me perguntou o que estava acontecendo, expliquei a situação e no final das contas ela pagou os US$100,00 e nem quis os meus US$80,00, apenas disse para mim seguir meu caminho e continuar sendo o guri bom que eu aparentava ser. Cheguei no Peru, passei um mês surfando altas ondas e venci o campeonato local que mencionei antes. Deixei minhas pranchas para pagar a pousada e voltei para o Brasil rico, só com a mochila e o troféu de campeão.

Como é o dia a dia de um surfista? 
Um surfista profissional deve viajar muito, surfar mais ainda, treinar a parte física, se alimentar bem, ser saudável, cuidar da sua imagem e ter boas relações com a mídia e patrocinadores. Pela falta de um patrocínio forte, ainda não consigo fazer tudo isso de uma maneira profissional, pois eu não vivo só na praia, estou sempre rodando e isso me traz dificuldades para se ter uma rotina, porém, estou perto de 
conseguir me dedicar 100% ao surf.

E a preparação física para encarar as ondas? 
Sempre que estou aqui na cidade estou treinando na UF7 Academia, fazendo treinamentos funcionais, que me dão um preparo excelente para enfrentar qualquer condição de mar, além de correr e fazer quiropraxia com a Juliana Pinheiro.

Quais são seus patrocinadores? 
Na verdade estou sem um patrocinador principal que me pague um salário, vida de surfista é simples, mas custa caro pelas viagens. Tenho alguns apoios que ajudam a me virar, são eles: UF7 Academia, Ciao Viagens e Turismo, Free Surf, Tools for Surf, Trench Town Surf Boards, Extreme Board Shop, ECOXcam, Pico da Tribo, Yazigi Dois Irmãos e Quiropraxia Juliana Pinheiro.

Além de se dedicar a esse esporte, você também escreve a respeito. O que você aborda nos seus textos? 
Gosto muito de escrever sobre tudo que envolve o surf na sua essência, viagem, camaradagem, ondas grandes, campeonatos, bastidores e etc, porém, alguns textos são basicamente a expressão do que já vivi e tenho no meu coração, tentando inspirar os leitores a acreditarem nos seus próprios sonhos e em si mesmos, como eu fiz anos atrás e hoje me considero uma pessoa realizada, mesmo sem ter muito dinheiro na minha conta. Acredito que descobri o caminho da felicidade, que é buscar a paz e a alegria naquilo que mais amamos, desapegando-se de bens materiais. Sinto que é meu dever passar isso para as pessoas, pois vejo uma sociedade mais preocupada com o “ter” e muito pouco com o “ser”. 

Para conferir seu trabalho, onde procurar? 
Hoje tenho matérias em diversos canais da mídia brasileira, sou correspondente dos maiores sites de surf do Brasil, o www.waves.com.br, do portal terra, o www.ondasdosul.com.br, que é o maior do RS e também escrevo para revistas, sou colunista da Revista Polvo, de Novo Hamburgo, e faço alguns trabalhos para a Revista Fluir, a mais importante do Brasil. Digitando meu nome no Google, aparecerão links de muitas matérias que tenho feito por aí, além de vídeos surfando e no meu facebook, claro, onde posto diariamente sobre tudo que venho “aprontando”. 

Quais são seus planos para o futuro? 
Primeiro é arranjar um patrocínio principal e poder continuar surfando ao redor do mundo, produzindo fotos e vídeos de qualidade para meus patrocinadores, gerando visibilidade para eles e para mim. Também desenvolvi um projeto chamado “Pampa Barrels”, que será uma competição interativa de melhores fotos e vídeos de surf dentro do RS, visando valorizar e fomentar o surf dentro do estado. Consegui fechar a apresentação deste projeto com a Billabong, uma das maiores marcas de surf do mundo, e ele está bombando nas redes sociais, com muita dedicação estou produzindo algo que ficará na história do surf gaúcho.

Você está em Dois Irmãos a passeio? Fica na cidade até quando? E depois, vai para onde? 
Estou passando um tempo aqui com minha família, na verdade entre Dois Irmãos e Mariluz, porque com esse calor, tá complicado de ficar na cidade, mas tenho tido inúmeras reuniões para definir meu futuro e de meus projetos, então o dever me faz estar mais por aqui agora e, consequentemente, surfando menos. Mas é por uma boa causa, fico até abril nessa rotina de praia e cidade, depois me mando pro México, fico 5 meses no  calor  das  ondas  mexicanas.  Ficarei  produzindo  meu  filme, pegando onda e administrando meu projeto Pampa Barrels por internet, já que é uma competição interativa e dura o ano todo.

Você está produzindo um filme. Como surgiu a idéia? 
A ideia do filme é um sonho antigo, que hoje está se tornando realidade graças aos contatos que tive com pessoas que conheci ao longo da minha caminhada. Muita gente me incentivou a contar minha história, agora que consegui que um amigo faça a produção, chegou a hora. Melhor de tudo que não vou precisar atuar, apenas ser eu mesmo.

Sobre o que vai tratar? 
Basicamente sobre tudo que falei nas respostas acima. A história irá contar como um guri do interior saiu de casa, ainda menor de idade e com o sonho de se tornar um surfista de verdade, conseguiu chegar num dos lugares mais perigosos do mundo do surf, conquistando respeito e reconhecimento pela sua atitude dentro do mar. Mas, o que mais me motiva a produzir este filme, é ter a oportunidade de passar a mensagem de 
que tudo que sonhamos pode virar realidade e só depende de nós, basta viver com paixão, dedicação e no caminho do bem.

Como  está  o  cronograma?  O  que  você  já  tem  e quais são as próximas etapas? 
No momento estou buscando patrocinadores, para poder produzir algo de alto nível e não precisar vender todas as minhas coisas para pagá-lo, como normalmente faço quando invisto em algo. As filmagens já começaram, tenho um bom material da última temporada mexicana e algumas ondas do Rio Grande do 
Sul, também já estou coletando depoimentos de pessoas  que  tiveram  alguma  influência  em  minha  vida, 
depois sigo pro México para finalizar a produção, que será lançada final do ano no MIMPI Festival, em Porto Alegre, o maior festival de filmes de surf e skate do sul do país e, claro, em algum lugar aqui em Dois Irmãos.

Deixe uma mensagem para os leitores do JDI.
 Gostaria de dizer para todos que tenham um sonho, que façam dele a razão de suas vidas, pois a aventura 
é o que faz o nosso coração bater mais forte, como o sangue que corre em nossas veias, que é de colonizadores alemães que vieram de longe, em condições totalmente adversas, porém, a história diz que deu certo.

Assista o preview do filme do Thiago no link: http://vimeo.com/81981282
Interessados em ajudar o surfista dois-irmonense nesta trajetória de sucesso, podem enviar um email para thiagomariluz@hotmail.com 

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